Seguro Garantia “Prazo Insuficiente” serve SIM para garantir execução fiscal

A Liquidez e Segurança do Mercado de Seguros no Brasil.

Em artigo anteriormente publicado, onde abordamos brevemente sobre a substituição da Penhora/Depósito Judicial por Seguro Garantia, destacamos a equiparação do seguro garantia a dinheiro, tratamento esse dado pelo artigo 835, § 2º e artigo 848, parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil.

A equiparação do seguro garantia a dinheiro não é à toa. Somente seguradoras podem emitir apólices de seguro, inclusive seguro garantia.

Atuar nesse mercado densamente regulado não é para qualquer um. É obrigatória concessão de autorização pela Susep – Superintendência de Seguros Privados, assim como para constituição, organização, funcionamento, entre outros, nos termos do artigo 36, caput e alínea “a”, do Decreto-Lei nº 73/1966 e artigo 757, parágrafo único, do Código Civil.

O papel dessa autarquia, Susep, entre outros, é fiscalizar as Sociedades Seguradoras quanto ao cumprimento das normas voltadas ao setor que visam preservar a liquidez e a solvência dessas empresas.

Portanto, não é qualquer empresa que pode se aventurar no mercado segurador. É necessário atender a uma série de requisitos essenciais, dentre os quais, e especialmente, a capacidade de suportar riscos.

Das seguradoras que atuam no seguimento do seguro garantia judicial para execução fiscal exige-se expertise e, principalmente, capacidade técnica e econômica para suportar tais riscos, que geralmente costumam ser complexos e de grande vulto. Para o que aqui importa e em bom português: elas devem ter dinheiro para suportar os riscos que aceitam garantir.

Até aqui destacamos que o mercado segurador é densamente regulado, as seguradoras que atuam no mercado possuem liquidez (capital) e são muito bem fiscalizadas pela Susep (tanto é que são raríssimos os casos de liquidação extrajudicial de seguradoras).

Tudo isso para dizer que não foi por acaso que o legislador equiparou seguro garantia a dinheiro. Há toda uma complexidade e burocrática regulação e fiscalização que garante a liquidez do sistema de seguros até chegar à simplicidade do texto legal que equipara o seguro garantia a dinheiro e possa garantir o juízo em cada processo (execução fiscal) que tramita nos tribunais do país.

 

A Duração do Processo Judicial x Custos do Seguro Garantia.

É uma tarefa hercúlea estimar a duração de um processo judicial. A experiência nos mostra, no entanto, que na média geral o processo tramita de forma lenta e, em se tratando de vara de fazenda pública e execução fiscal, a morosidade é ainda mais acentuada.

E essa morosidade representa um enorme custo para as empresas, que precisam garantir os juízos das execuções fiscais, por todo o trâmite das ações, para, assim, poder discutir o mérito do cumprimento da obrigação tributária.

As garantias “tradicionais” dos juízos das execuções fiscais (penhora de bens/depósito judicial), na maioria das vezes, comprometem o ativo das empresas, o capital de giro, a tomada de créditos e o alavancamento de novos negócios. E é por isso que o seguro garantia se mostra uma boa alternativa, a um custo razoável, que em regra não compromete os ativos e as linhas financeiras das empresas.

A revogada Circular Susep 477/2013, no item 1.1 da Modalidade VII – Seguro Garantia Judicial para Execução Fiscal, Anexo I, delineava que o seguro garantia judicial para execução fiscal, garante “o pagamento de valores que o tomador necessite realizar no trâmite de processos de execução fiscal” e a vigente Circular Susep 662/2022, destaca, em linhas gerais, que “o seguro garantia destina-se a garantir o objeto principal contra o risco de inadimplemento, pelo tomador, das obrigações garantidas” e através dele, a seguradora obriga-se ao pagamento da indenização, caso o tomador não cumpra a obrigação garantida, nos termos do objeto principal ou em sua legislação específica.

Em regra, as apólices têm prazo de vigência determinado, pois a indeterminação do prazo de vigência impactaria sobremaneira nos provisionamentos e reservas técnicas das seguradoras e respectivos resseguradores e certamente elevaria a taxação de prêmios a patamares estratosféricos, colocando em xeque a própria existência desse tipo de seguro.

 

As Diretrizes Mínimas do Seguro Garantia Pelas Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, Procuradoria-Geral Federal e Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.

Os prazos mínimos de vigência desses seguros, por vezes, são estabelecidos pelo próprio Segurado. Apenas para ilustração, a Portaria 164, de 27/02/2014 (art. 3º, VI, alínea “a”), editada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Portaria 440, de 21/06/2016 (art. 6º, V), editada pela Procuradoria-Geral Federal, assim como o Comunicado Subg-CTF nº 3, de 22/01/2015 – Procedimentos para Aceitação do Seguro Garantia nas Execuções Fiscais (item “3”, § 3º) e a Resolução PGE 44, de 29/11/2019, (art. 73, § 5º) ambos editados pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, preveem, respectivamente, o prazo mínimo de 2 e 3 anos.

Ocorre que a determinação do prazo de vigência acabou indiscriminadamente dando ensejo ao entendimento de que a apólice de seguro garantia seria considerada inidônea “pelo claro risco de inexistirem efeitos práticos à garantia oferecida”.

Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça genericamente vem decidindo pela inidoneidade da apólice de seguro garantia emitida com prazo determinado de vigência, sobretudo aquelas com prazo curto, inferior ao trâmite de uma ação judicial (AgInt no Agravo em Recurso Especial Nº 1832692-SP, AgInt no Recurso Especial Nº 1874712-MG, AgInt no Recurso Especial Nº 1684437-SP, AgInt no AREsp 1784793-ES, AgInt no REsp 1920707-PR, AgInt no AREsp 1432613-RJ).

 

Porque o Seguro Garantia com Prazo de Vigência Determinado é Garantia Idônea

Contudo, as apólices emitidas com base na Portaria 164, de 27/02/2014, editada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, na Portaria 440, de 21/06/2016, editada pela Procuradoria-Geral Federal e nas orientações/recomendações da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (Comunicado Subg-CTF nº 3, de 22/01/2015 e Resolução PGE 44, de 29/11/2019, estão longe de serem consideradas inidôneas em razão do prazo “curto” de vigência.

Muito pelo contrário. As disposições da PGF, PFN e PGE/SP, acima indicadas, como um todo, reforçam a liquidez da apólice de seguro garantia, o acerto do legislador ao equipará-lo a dinheiro, a sua idoneidade e o que é essencial para manter a higidez desse tipo de seguro: obrigam a seguradora a avaliar com mais atenção o risco que lhe é proposto e a monitorar o desenvolvimento do risco a fim de se resguardar para um eventual e potencial sinistro.

 

A Obrigação do Tomador de Substituir o Seguro Garantia por Outra Garantia Idônea Antes do Vencimento da Apólice.

Consequência do Inadimplemento Desta Obrigação Pelo Tomador: Seguradora DEVE DEPOSITAR JUDICIALMENTE o Capital Segurado.

A PGF, a PFN e a PGE/SP PGE/SP definiram que nada impede que a apólice tenha prazo de vigência determinado (mínimo de 2 e 3 anos, respectivamente), mas de forma muito perspicaz, estabeleceram, em contrapartida, que a seguradora se obriga a depositar em juízo o valor segurado SE o tomador (devedor da obrigação tributária), no prazo de até 60 dias antes do término da vigência do seguro: (a) não depositar em juízo o valor segurado, (b) não apresentar carta de fiança bancária ou (c) não apresentar nova apólice de seguro garantia de acordo com os requisitos exigidos pelo respectivo normativo.

Ora, com a aproximação do vencimento da vigência do seguro, 60 dias antes, para ser mais exato, SE o tomador (devedor da obrigação tributária) não cumprir a obrigação de apresentar uma garantia que se equipare a dinheiro, ou seja, depósito judicial em dinheiro, fiança bancária ou outro seguro garantia, restará caracterizado o sinistro (que estará a 60 dias do término da vigência do seguro, frise-se) que nada mais é do que o inadimplemento daquela obrigação (pelo tomador) e que resultará em outra obrigação, dessa vez pela seguradora, de, no prazo de 15 dias a contar de sua intimação pelo juiz, efetuar o depósito judicial do valor segurado.

 

A Necessidade de Alteração da Jurisprudência.

O temor elencado pela jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça que vem inspirando julgados, principalmente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, faria sentido se, com o vencimento do seguro garantia, o credor tivesse a incumbência de localizar bens à penhora para satisfação da execução, voltando ao ponto inicial da execução, o que, de fato, nessas circunstâncias, poderia, em tese, tornar inócuo o seguro garantia.

Entretanto, ao menos no âmbito das apólices emitidas com a observância dos requisitos previstos no art. 73, § 5º, da Resolução PGE 44, de 29/11/2019 (Estado de São Paulo), Portaria 164, de 27/02/2014 (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e Portaria 440, de 21/06/2016 (Procuradoria-Geral Federal), não é esse o caminho a ser perseguido pelo credor.

Muito pelo contrário, se o tomador não substituir a garantia, não caberá ao credor efetuar diligências para indicar bens à penhora, mas sim caberá à seguradora o fazer através de depósito do valor segurado em juízo.

Sim, a mesma seguradora, aquela que emitiu apólice de seguro-garantia com prazo determinado de vigência (curto ou longo, não importa), DEVERÁ depositar em juízo o montante segurado.

Assim, em singelas palavras, as apólices de seguro garantia judicial para execução fiscal emitidas em conformidade com a Resolução PGE 44, de 29/11/2019, Portaria 164, de 27/02/2014 (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) ou Portaria 440, de 21/06/2016 (Procuradoria-Geral Federal) garantem o inadimplemento da obrigação do Tomador em duas oportunidades.

A primeira, que é a mais conhecida, diz respeito ao inadimplemento da obrigação a que o tomador foi condenado, com trânsito em julgado.

A segunda, mais específica, diz respeito ao inadimplemento da obrigação do Tomador de, no curso do processo, apresentar garantia que substitua a apólice de seguro com prazo de vigência na iminência de vencer (igualmente idôneas, frise-se: depósito em dinheiro, fiança bancária ou nova apólice de seguro garantia).

Logo, ao estabelecer hipótese específica de sinistro, ou seja, obrigação do tomador de apresentar outra garantia no prazo de 60 dias antes do vencimento da vigência do seguro garantia, “sob pena” de a seguradora depositar em juízo o valor segurado, é possível conciliar o interesse de todos: (a) as empresas (tomadores do seguro garantia) conseguem utilizar ferramenta acessível de garantia, liberando seus ativos e linhas de crédito, (b) o credor (segurado do seguro garantia), que conta com garantia de enorme liquidez (observados os requisitos formais para análise da idoneidade da garantia, como registro da apólice junto à Susep, etc., conforme artigo 73, da Resolução PGE 44, de 29/11/2019), Portaria 164, de 27/02/2014 (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), e Portaria 440, de 21/06/2016 (Procuradoria-Geral Federal), certo de que até o final da execução fiscal contará com garantias equivalentes a dinheiro ou, na “pior das hipóteses”, com o valor do seguro garantia depositado em juízo, podendo prosseguir normalmente com o debate da matéria de mérito da ação, com a certeza de que, saindo-se vencedor, bastará levantar a quantia depositada em juízo.

Portanto, a garantia ao inadimplemento da segunda obrigação do Tomador (renovar a garantia no curso da ação) afasta a atribuição de inidoneidade do seguro garantia com prazo de vigência determinado, seja de curto ou de longo prazo, razão pela qual a jurisprudência que vem se formando no Superior Tribunal de Justiça merece ser revista, até porque as decisões mencionadas não decidiram a questão da idoneidade do seguro garantia sob o enfoque desta hipótese específica de sinistro, ou, em última análise, tal entendimento deve ser referendado pelos tribunais com cautela.

Nesse cenário, perderiam os tomadores, as seguradoras e o país, pelo risco de desuso de uma ferramenta acessível e importante para desonerar linhas de crédito e ativos de empresas e otimizar seus projetos de investimento e crescimento.

É por isso que para a indicação do seguro garantia ao juízo, assim como todo o seu trâmite até a sua aceitação definitiva pelo juízo, é altamente recomendado o assessoramento de profissionais especializados e experientes em seguro e, especialmente, seguro garantia, sem que isso implique, de forma alguma, em trabalho concorrente aos especialistas com a matéria central de discussão da execução fiscal, uma vez que os trabalhos propostos possuem escopos distintos.

 

Uma versão resumida deste artigo foi publicado no site Conjur.